Mercado cercado de música, cor e teatro em nome da preservação


Grupo de actores, com grandes máscaras de cartão cor-de-rosa, provou sorrisos nos trauseuntes. Um deles carregava urna negra.


11 Maio 2008 – JN - Carla Sofia Luz, Sónia Magalhães


Édifícil para Ana Rita recordar-se de um sábado nos seus nove anos de vida que não tenha passado pelo mercado do Bolhão, no centro do Porto. Na companhia da mãe, a pequena perde-se entre as bancas de verduras no dia em que se fazem as compras para casa. A ideia de mudança não lhe agrada, até porque, confessa, gostaria de continuar a ir ao mercado comprar o que mais gosta "rosas".

"Gosto do Bolhão como está e das coisas que lá são vendidas hoje. É como uma segunda casa para nós", atira a menina, exibindo, nas mãos, o postal que pintou numa banca para as crianças, montada, ontem de manhã, pelo Movimento Cívico Estudantil pela Defesa do Bolhão na Rua de Alexandre Braga. Esse postal, assim como tantos outros que foram pintados por outras jovens mãos, serão entregues na Câmara portuense pelo movimento.

Pelas portas do mercado foi um corrupio. Muitas pessoas de câmaras fotográficas em punho a captar a animação que cercou o edifício classificado. Teatro de rua, música e instalações artísticas espalharam-se pelas ruas na envolvente do Bolhão em nome da preservação do mercado, contestando a reconversão projectada pela TramCroNe e a concessão do equipamento decidida pela Câmara portuense.

Versos em painéis

Enquanto a recém-criada associação Nuvem Voadora erguia uma nuvem branca com balões presos no respiro da estação subterrânea do metro na Rua de Fernandes Tomás, um grupo de actores, vestidos com máscaras de cartão cor-de-rosa, arrancavam sorrisos aos transeuntes. Uma das figuras provocatórias carregava a urna, em que se lia a inscrição "A sua opinião conta".

"É uma reflexão sobre a cidadania. Como pode intervir-se na cidade e provocar um sorriso. Estas animações ajudam a suscitar dúvidas nas pessoas, obrigando-as a reflectir sobre o que as rodeia", nomeadamente sobre a privatização do Bolhão e de outros equipamentos na cidade, entende Ricardo Magalhães, um dos intervenientes. Para que todas as pessoas vertam o que lhes vai na alma, foram colocados, ainda, quatro painéis com folhas brancas de papel, destinadas a acolher mensagens para a Câmara sobre o mercado.

Cândida Liseta nem precisou de inspiração para compor a rima sobre o painel branco "O Porto sempre lutou, ninguém o fez parar, o Rio vai para a rua e o Bolhão continuar", sentenciou a cliente habitual do mercado. Tentando equilibrar o marcador azul com o saco de compras, usa o verso para contestar uma "injustiça". Desconfia da transformação que se projecta para o imóvel.

"É uma injustiça para quem trabalha, para as pessoas que lá estão e precisam de viver. Mas também para quem compra, porque, hoje, encontram produtos de qualidade, com agrado e simpatia. Por isso, lutarei por eles até ao fim", argumenta. A contestação, encabeçada pelo movimento estudantil e pela Plataforma de Intervenção Cívica, faz-se com iniciativas sociais na rua, mas também nos tribunais. Por isso, a venda de artigos serve para suportar as custas.

Na terça-feira passada, os arquitectos Manuel Correia Fernandes, Joaquim Massena, os comerciantes Hélder Francisco e Miguel Mendonça e o presidente da Associação de Feirantes, Fernando Sá, foram ouvidos pela Comissão do Poder Local na Assembleia da República. Seguir-se-ão a Câmara do Porto e os responsáveis da TramCroNe.

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