Bolhão no coração

Jornal de Notícias - 2008-05-29 - CLÁUDIA LUÍS


A "Viva+" foi conhecer as histórias dos vendedores do Bolhão e mostra-lhe alguns dos seus produtos. Sabia que aqui se vende chouriços de soja e pão sem glúten? O Bolhão é um mercado de surpresas.
As vendedoras do Mercado do Bolhão, no Porto, têm fama de ser anfitriãs carinhosas e atrevidas. É impossível passar pelas bancas sem ouvir um ternurento "quer alguma coisinha, meu amor?" a que custa dizer um redondo "não". Toda a gente conhece toda a gente. "Há famílias inteiras a trabalhar aqui", dizem, num lugar que, afinal, é uma só família.
A "Viva+" foi ouvir as histórias do Bolhão e descobriu olhos embargados de emoção, rugas cheias de segredos e uma cumplicidade invulgar. Às vezes, lá falhava a memória nos relatos de vidas de filhos e netos, mas logo surgia uma voz a precisar os acontecimentos que, sem serem seus, sabe-se de cor. "Somos uma família", dizem repetidamente. "A minha faculdade foi feita no Bolhão. Vim para aqui matar a fome aos meus irmãos e não tenho vergonha disso", diz uma voz entristecida por todos os ferros que lá foram colocar para segurar paredes e tectos e que "nunca voltaram para tirar".
Os andaimes lá estão a sustentar um mercado com dezenas de bancas cobertas por panos floridos e empoeirados. Mas há muito mais no Bolhão do que a tristeza que o assolou, porque não há amargura que vingue num cenário tão rico em cores, aromas e histórias. Basta andar pelos corredores de flores, frutas e peixes para que uma dessas histórias venha ter connosco. "Está a ver isto?", diz uma senhora com uma fotografia polaroid pousada na mão. Aquilo era um registo de uma certa campanha eleitoral. Servia mais como prova do que como recordação. As filhas, ainda bebés, que criaram entre canastras de sardinhas e folhas de jornal, o "olho que botam" às bancas alheias para serem "umas para as outras", os piropos a freguesas embonecadas e a rapazes desprevenidos, as zangas que passam de uma madrugada para a outra, a essas - sim - chamam-lhes recordações.
As vendedoras do Bolhão fazem parte da cidade. Não há roteiro político, social, turístico ou televisivo que não lhes preste uma visita. Há clientes que já têm as compras habituais reservadas e embrulhadas num cantinho da banca. Hoje, no entanto, a maioria dos fregueses são os turistas de máquina fotográfica ao peito.

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